O que é ser artista?
Quando eu era criança, artista pra mim era Picasso, era Romero Britto, eram meus avós.
Minha mãe sempre tentou mostrar muito de arte pra mim, me levava à museus, peças de teatro, musicais... E mesmo uma criança não tão interessada assim quando poderia estar, tenho certeza que influenciou muito a forma como vejo o mundo.
Eu desenhava e minha mãe me chamava de "Picasso da família" (detalhe: eram só manchas no papel, nada demais), ouvia histórias do meu avô materno que fazia arte com bambu, via as ilustrações maravilhosas da minha avó paterna penduradas na parede, tinha alguns produtos do Romero Britto como muitas famílias brasileiras.
Quando comecei a ficar mais empolgada com ilustração, levava meu sketchbook pro sítio dos meus avós paternos e minha avó folheava toda feliz, mostrava pra todo mundo. Eu estou numa bolha estranha: uma família de imigrantes japoneses, que trabalharam duro no campo, mas que apreciam a arte e gostam de ver seus netos fazendo coisas diferentes. Um primo fez gastronomia, outro design.
Claro que como descendente de japoneses, eu sempre tive uma pressão (interna, dos meus pais, da sociedade?) de tirar notas altas, ser aluna exemplar, não quebrar regras, ser boa em matemática. Essa minoria modelo que um milhão de falas tentava me moldar era sufocante, mas era quem eu sabia ser. "Ah, mas claro que ela é boa em matemática, é japa", a nerd, cdf, que nem servia pra passar cola porque achava isso errado demais.
Ao mesmo tempo, fugia disso nos meus cadernos, sempre alguma coisa rabiscada pra lá e pra cá. E no meio de gente chata, eu tinha minha rede de apoio. Minha família e minhas amigas - maioria descendentes de japoneses e coreanos - sempre amavam meus desenhos toscos.
Fui crescendo, mudando, tentando me encontrar.
Acabei que de uma aluna que participava de olimpíadas de matemática e física, que pensou que seria engenheira, para uma aluna que prestou design.
Na faculdade entrei perdida, não era alguém que sabia sobre design, estúdios, editoras de livros, prêmios famosos. E lá muitos professores ditavam o que era arte e o que não era. Ilustração digital? Não é arte!
Dito isso, cá estou, 2 anos depois de apresentar o meu TCC, HIKARI - HQ de autoficção que me desafiou a produzir minha primeira história em quadrinhos, reviver meu passado e conhecer melhor a história dos meus avós e dos meus pais. Cá estou eu, desenhando quase todo dia e realmente conseguindo viver desse jeito.
Criando coisas novas, conhecendo pessoas novas...
Quando me vejo no meu apartamento, no meu espaço de trabalho, me sustentando, tudo pago pelo meu trabalho como ilustradora, me sinto grata. Pelos meus esforços. Pelos esforços dos meus avós, que chegaram num país onde não falavam a língua, trabalhavam na terra e ainda mandaram os filhos para faculdade. Pelos esforços dos meus pais, filhos de imigrantes, que trabalharam desde cedo, se formaram e me criaram.
Me sinto estranha também, fazendo um trabalho que às vezes parece tão superficial. Apenas desenhos, rabiscos, linhas e cores. Vivendo de arte enquanto tem tanta coisa ruim acontecendo no mundo.
Mas me sinto feliz também, quando vejo que meu trabalho ajuda pessoas, faz elas suspirarem, respirarem fundo no meio da rotina corrida.
Ser artista é esquisito. São altos e baixos. Um trabalho solitário. Falo muito comigo mesma nas minhas criações.
Mas mesmo assim, é o que sou, o que sei ser e o que quero ser por muito tempo ainda.
Porque eu mudo, eu mudei, e mudar é estar viva!
Quando penso nessa palavra, "mudança", sempre me sinto muito acolhida. O mundo gira em torno disso, né?
Nesses últimos anos, tenho investido muito tempo em ensinar. Gravei cursos de desenho, de negócio, dei workshops. Ainda me sinto estranha quando recebo uma mensagem escrito "professora".
Só que passar meus conhecimentos e compartilhar experiências com outras pessoas sempre foi gratificante pra mim. Mesmo sentindo aquela síndrome de impostora falando que eu não sei o suficiente pra ajudar alguém, eu continuo nesse trabalho. O que me motiva é ver pessoas mudando por minha causa. Pessoas agradecendo por tal conteúdo que fiz e que abriu os olhos dela, me agradecendo por ter ensinado a fazer tal coisa, me agradecendo por ter mudado e melhorado a abordagem em tal coisa... Uma doidera! Um ser humano fazer uma diferença na vida é outro é uma doidera.
Agora quando me perguntam o que faço, às vezes incluo o "professora" para me descrever.
Ainda é novo e estranho pra mim, mas é uma mudança. Uma mudança boa.
Esses últimos dias foram uma correria aqui, uma explosão de sentimentos diferentes, bons e ruins, e finalmente na segunda-feira abri as vagas para o meu primeiro curso de desenho. O curso Criando Universos Mágicos está vivo!
Quis escrever essa carta para registrar todo esse turbilhão de emoções e refletir sobre essas mudanças.
Espero que essa carta motive alguém.
Espero que o que faço mude alguém.
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Obrigada Paola por compartilhar um pouco da sua história inspiradora! Parabéns pela sua trajetória, te desejo muito sucesso :)